O terrorismo das barragens
- gabinetedecrisecom
- 14 de jan. de 2020
- 4 min de leitura

Até janeiro de 2019, antes do rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho, órgãos públicos e mineradoras garantiam a estabilidade das barragens de rejeitos em Minas Gerais. Porém, depois do rompimento que pôs fim a vida de 270 pessoas, instaurou-se uma grande preocupação com as barragens da noite para o dia: várias delas estão sendo classificadas em situação de risco.
Não houve nenhuma mudança significativa no cenário, como grandes chuvas ou abalos sísmicos. O que mudou foi a postura de empresas, que não se arriscam mais ao assinar laudos de estabilidade para essas estruturas. O resultado é um terror generalizado entre aqueles que moram perto dessas barragens ou dependem de cursos d´água que estão próximos a elas.
O alerta sonoro de mineradoras já foi ouvido em pelo menos quatro cidades mineiras: Barão de Cocais, Itatiaiuçu, Nova Lima (e no distrito de Macacos) e Ouro Preto.
Desapropriações e medo constante
No dia 08 de fevereiro de 2019, as comunidades rurais de Barão de Cocais, que ficam abaixo da barragem Sul Superior, da mina Gongo Soco, da Vale, foram evacuadas. O mesmo aconteceu em Itatiaiuçu, nas regiões próximas à mina de Serra Azul, da Arcelor Mittal. A justificativa foi o aumento do risco de rompimento das barragens. 700 pessoas foram retiradas de suas casas.
Dias depois, em 16 de fevereiro, foi a vez de Macacos (São Sebastião das Águas Claras), distrito de Nova Lima, que teve 270 pessoas evacuadas pela mesma razão.
Outro motivo para a evacuação das zonas de autossalvamento, logo abaixo das barragens, é a aceleração do processo de descomissionamento de barragens. Esse é o caso de bairros de Ouro Preto e Nova Lima, vizinhos às barragens Vargem Grande, Forquilha I, Forquilha II, Forquilha III e Grupo, da Vale, desocupados no dia 20 de fevereiro. 125 pessoas foram expulsas de seus lares nas cidades.
De acordo com o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), regiões de Itabirito também estão ameaçadas por barragens da mineradora Vale, e seriam atingidas entre 1:27 hora e 5:16 horas, dependendo da localização, em caso de rompimento. Por isso, a empresa foi obrigada a criar rotas de fuga e fazer simulados com essa população.
Para além de medo do rompimento, surgiu também a incerteza do futuro a partir das propostas que a empresa Vale tem apresentado às populações, incluindo a construção de murros gigantescos que avançam para os territórios além dos limites da empresa, fazendo expropriação de propriedades que podem trazer benefícios futuros para a empresa, causando o desaparecimento de comunidades e diferentes formas de viver.
A mina Gongo Soco e o terror em Barão de Cocais
A instabilidade da barragem Sul Superior, da mina Gongo Soco da Vale, em Barão de Cocais, privou os moradores das comunidades de Socorro, Piteiras e Tabuleiro de suas casas, suas vidas, seus costumes. Nesses territórios existem festas tradicionais celebradas há mais de 270 anos.
A região, que surgiu com o ciclo do ouro, é rica em história. Um exemplo é a Igreja Nossa Senhora Mãe Augusta do Socorro, a mais antiga igreja do Município e considerada a mais antiga representação do estilo Rococó em Minas Gerais. O prédio foi construído 1737 e tombado em 2016.
Depois da retirada dos moradores das três comunidades, chegou a vez das ruas do centro da cidade receberem pintura laranja nas calçadas, mostrando por onde é que a lama passaria. Placas de rota de fuga agora indicam para que rumo correr em caso de emergência, caminhões da mineradora passam a todo o momento pela cidade e as informações continuam escassas.
Sozinha, em uma praça de Barão de Cocais, uma moradora de Socorro comenta entre conhecidos a sua situação: ela aguarda funcionários da Vale para levá -la à casa que encontrou para alugar no município, já que não pode voltar ao seu lar. Seus pertences já não estão mais lá, ela relata. A casa foi saqueada – mesmo que a mineradora tenha garantido que o local estava sendo monitorado 24 horas por dia.
“A cidade está sofrida nesse momento. A mineração tira a riqueza dela e não faz quase nada por Barão de Cocais. [No bar], a demanda caiu 90%. Hoje as pessoas não vêm por medo da barragem romper”, conta Anderson Moreira de Oliveira, cujo bar não tem mais público.
Além dos prejuízos, o medo e a preocupação lhe tiram o sono. “Pintaram tudo aí de laranja e falaram que se estourar lá, vai inundar aqui. A gente está apreensivo. A gente dorme e não sabe o que vai encontrar quando acordar, a gente não dorme direito”.
Desde fevereiro, a venda de antidepressivos e medicamentos para dormir triplicou em Barão de Cocais. “O normal era vender dez caixas desses medicamentos por semana. Agora, vendemos 30. As pessoas estão com medo, sem conseguir dormir direito”, contou o farmacêutico Diego Augusto Moreira, ao Jornal O Tempo.
Quadro alarmante em Minas
Segundo o relatório mais recente publicado pela Agência Nacional de Mineração (ANM) sobre a situação das barragens de minério do país, 63,1% do total de barragens de rejeitos de minério com alto risco de acidentes no Brasil ficam em Minas Gerais. Isso significa que das 19 barragens em alto risco, 12 estão no estado, sendo dez delas com alto potencial de dano.
Além disso, desde outubro de 2018, a Vale tem conhecimento de que oito de suas estruturas de retenção de rejeitos de minério correm risco de rompimento. É o que atesta um documento divulgado pelo MPMG, em 12 de fevereiro.
Conforme o relatório da mineradora, as barragens em risco são: Capitão do Mato e Dique B, em Nova Lima; Menezes 2, em Brumadinho; Laranjeiras, em Barão de Cocais; Taquaras, no distrito de São Sebastião das Águas Claras (também conhecido como Macacos, em Nova Lima); e Forquilha 1, 2 e 3, em Ouro Preto.
コメント