Lei Mar de Lama Nunca Mais deve servir como modelo para Política Nacional de Barragens
- gabinetedecrisecom
- 3 de ago. de 2020
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Ministério Público de Minas Gerais e Movimento dos Atingidos por Barragens apresentaram notas técnicas e jurídicas com recomendações a serem incorporadas ao Projeto de Lei 550/2019 que tramita no Senado

Experiências pós-desastres em Minas Gerais e os avanços promovidos pela nova Política Estadual de Segurança de Barragens, conhecida como Lei Mar de Lama Nunca Mais, devem ser incorporados ao Projeto de Lei nº 550/2019, que visa alterar a lei 12.334/2010, que estabelece a Política Nacional de Segurança de Barragens (PNSB).
É o que afirmam em notas técnicas e jurídicas o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB), a empresa de auditoria Aecom e a organização Internacional Rivers. As recomendações levam em consideração o substitutivo ao PL, encaminhado pela Câmara dos Deputados ao Senado Federal.
Fruto de um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que contou com a assinatura de 56 mil cidadãos, a Mar de Lama Nunca Mais foi aprovada em 2019, após o rompimento da barragem da Vale, em Brumadinho. A lei estabelece normas mais rígidas para o licenciamento e a fiscalização de barragens em Minas Gerais e teve participação ativa de integrantes do Gabinete de Crise da Sociedade Civil (GCSC) na construção do texto, proposto em 2016, após o rompimento da barragem do Fundão, em Mariana. A proposta da nova legislação estadual foi o primeiro passo rumo a reformulação da política nacional.
A versão atual do PL 550, de autoria da senadora Leila Barros (PSB), foi construída após consulta pública da qual participaram o GCSC e várias organizações civis brasileiras e traz importantes avanços à legislação atual. Entretanto o PL pode se tornar ainda mais efetivo em coibir novos desastres, apontam as notas do MAB – produzida juntamente com o International Rivers –, da auditoria Aecom – contratada pelo MPMG – e do Centro de Apoio Operacional do Meio Ambiente (Caoma) do MPMG.
Principais contribuições
Importante avanço, na linha do que dispõe a lei Mar de Lama Nunca Mais, é a recomendação da proibição das barragens a montante – mesmo método de construção utilizado nas barragens de Fundão e da Mina do Córrego do Feijão que se romperam –, além da descaracterização e recuperação de barragens de mineração.
O entendimento é de que uma resolução da Agência Nacional de Mineração (ANM) trouxe prejuízo à pauta ao estabelecer como barragem de mineração descaracterizada a estrutura que “deixa de possuir características ou de exercer função de barragem”, ou seja, que possa ser uma barragem de rejeitos inativa ou desativada. A definição mostra-se improdutiva uma vez que a barragem que rompeu em Brumadinho era inativa.
A nota jurídica do MPMG propõe a substituição das noções de “recuperar e desativar” por “recuperar e descaracterizar, e do verbo “descomissionar” por “descaracterizar”, com este assumindo sentido de que as estruturas devem ser completamente desfeitas e reintegradas ao meio ambiente.
Outra sugestão em consonância com a legislação estadual é a definição clara dos conceitos de Zona de Autossalvamento (ZAS) e também de Salvamento Secundário (ZSS). A ZAS é definida como aquela numa área de 10km ao longo do curso do vale passível de ser atingida pela onda de inundação num prazo de trinta minutos. Enquanto a ZSS, é aquela além do raio de 10km, mas que também será afetada. Além disso, recomenda considerar como ZAS os locais da ZSS nos quais “os órgãos de proteção e defesa civil não possam atuar tempestivamente em caso de vazamento ou rompimento da barragem”.
Já a nota técnica do MAB e da International Rivers, aponta para a necessidade de se assegurar maior participação popular (por consulta prévia, livre e informada e o direito de veto) das comunidades sobre os procedimentos e licenças que coloquem em risco sua segurança e modos de vida. Por isso, também propõem uma Política Nacional de Direitos dos Atingidos por Barragens (PNAB).
Ponto fraco
Segundo o ambientalista e integrante do GCSC Gustavo Gazzinelli, as conclusões e acertos da nota do MPMG não condizem com a afirmação de que “existem barragens com mais de 100 milhões de metros cúbicos de rejeitos depositados, para as quais a desconstrução e retirada do material levaria muitos anos, gerando uma eternização do problema e transtornos imensuráveis às comunidades ao redor”.
Gazzinelli contesta a autoridade da afirmação. “Não conhecemos os estudos que servem de base a tais conclusões. Nenhuma consulta tem sido feita, a este respeito, por nenhuma organização de Estado, de forma democrática a comunidades locais que vivem o fantasma diário e potencial da lama de grandes barragens nas vidas de famílias e trabalhadores. Elas preferem os transtornos ou as barragens eternizadas em seus territórios?”
Para ele, a suposição sobre os “transtornos imensuráveis”, em detrimento de medidas corretivas eficazes, não pode ser concluída sem a devida consulta e avaliação cuidadosa por quem habita os territórios e tem as grandes barragens sobre suas casas, locais de convívio e trabalho.
“Para o Gabinete de Crise, não há como relativizar as ameaças das grandes barragens, ou o Congresso e o próprio MPMG assumem o risco da omissão face a prováveis futuros desastres de grandes proporções. Isso aconteceu com a protelação da aprovação da lei Mar de Lama Nunca Mais pela ALMG. Se aprovada no ano seguinte a sua apresentação pelo próprio MP, em 2016, teria provavelmente evitado a catástrofe ocorrida em janeiro de 2019 em Brumadinho”, completa.
Leia na íntegra a análise que o Gabinete de Crise preparou sobre o assunto. Faz parte de algum movimento ou organização da sociedade civil? Apoie a imediata aprovação do PL da Política Nacional de Segurança de Barragens pelo Senado Federal através deste link.
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